Espiritualidade e escolhas no ambiente escolar

A escola é um ambiente marcado pela pluralidade, por isso requer de seus atores o exercício constante do discernimento para fazer escolhas assertivas. A todo instante, educadores precisam discernir sobre opções pedagógicas e processos de aprendizagem eficazes. No momento de preparação para o vestibular, estudantes precisam discernir sobre a escolha profissional. Comprometidos com a formação integral, os colégios da Companhia de Jesus podem lançar mão de recursos para apoiar essas escolhas. O fomento à vivência da espiritualidade inaciana, com sua proposta de exercício do discernimento, desponta como estratégia significativa para orientar essas decisões.

Produção do 4º Concurso de Redação e Artes da RJE (2019) – “NOSSO OLHAR” de Júlia Arana Rocha – Colégio Medianeira (PR)

Mas como suscitar adesão à espiritualidade em um mundo multirreligioso e secular? Num contexto social marcado pela complexidade ideológica fica cada vez mais difícil compreender o significado profundo e o valor da dimensão espiritual-religiosa. Por outro lado, esse universo complexo e carente de referenciais confiáveis oferece oportunidade de se fazer escolhas existenciais profundas, ao passo que leva pessoas a abandonarem práticas espirituais irrefletidas e a buscarem atitudes que realmente façam sentido. A abertura humana ao Transcendente é o pano de fundo dessa busca e esta, por sua vez, fecunda o chão da escola para a acolhida de proposições na linha da espiritualidade.

Vaz (1991) afirma que “o homem é para a transcendência”. Compreende-se por que, historicamente, o ser humano tende a não se contentar com a mundo que o cerca, mas está sempre em busca de algo que o transcenda. Graças à dimensão espiritual que lhe é própria, consegue ultrapassar a realidade material e ir além, pois sua constituição antropológica integradora admite a autotranscendência como fundamento que lhe possibilita dar altos voos em direção ao infinito.

Rampazzo (2004), nessa mesma perspectiva, diz que “o homem está em condição de sair de si mesmo, sobrevoar todo o mundo da experiência, julgar o presente e o passado e antecipar o futuro, porque traz em si um elemento de espiritualidade”. Mas espiritualidade, aqui, não pode ser entendida de forma genérica e abstrata. Se, de um lado, em sentido amplo, trata-se de um modo de atribuir significado ao mundo, de outro, em sentido estrito, está vinculada às experiências fundantes de pessoas que se aproximaram do sagrado. Essa última acepção pode ser verificada na história do Cristianismo, na qual não faltam exemplos de homens e mulheres que seguiram Jesus Cristo mais de perto e, por essa razão, constituíram e legaram um carisma espiritual para a humanidade.

A título de exemplo, Miranda (1993) traz a espiritualidade inaciana:

A expressão ‘espiritualidade inaciana’ vem a ser uma formulação geral de toda a riqueza de elementos contidos na experiência de Deus, vivida por Inácio de Loyola. Espiritualidade porque conhecimento reflexo, tematização consciente do que foi experimentado, embora experiência e compressão estejam sempre dialeticamente unidas, como veremos mais adiante. Inaciana porque as múltiplas características, próprias e únicas, da vivência cristã deste santo são propositadamente realçadas e valorizadas.

No contexto da formação integral, a espiritualidade inaciana pode ajudar no processo de discernimento que educadores e estudantes precisam exercitar diante das escolhas escolares. Situações que expõem os membros da comunidade educativa a tomadas de decisões importantes, como qual mediação pedagógica adotar e/ou qual curso universitário seguir, podem ser iluminadas por vivências espirituais que auxiliem na compreensão organizacional da missão e no cultivo e do autoconhecimento.

Para Guerreiro (2009), “uma educação do espírito é essencialmente da condição humana”. Com base nisso, as unidades da Companhia de Jesus podem desenvolver projetos de vida capazes de levar os estudantes a reproduzirem em suas escolhas os valores humanísticos da espiritualidade inaciana. Pausa inaciana, deserto espiritual, celebração comunitária, exercícios espirituais na vida cotidiana, momento de escuta e partilha, retiro, oração pessoal, entre outros, são práticas e vivências da espiritualidade inaciana que impactam positivamente a convivência escolar e, além disso, favorecem a interiorização e o discernimento necessários para apoiar as tomadas de decisões pessoais e profissionais.

Produção do 4º Concurso de Redação e Artes (2019) – “CAMINHANDO E PENSANDO de Maristella Pereira Vieira –Colégio Santo Inácio (CE)

Pensando especificamente na realidade dos jovens que, à época do vestibular, precisam fazer escolhas para o futuro, a espiritualidade é um grande trunfo. Os estudantes podem, através de vivências espirituais, sondar as motivações mais profundas, em vista de construir projetos que façam sentido para si e para a sociedade. A experiência de países desenvolvidos mostra que não basta se realizar materialmente, ter status social, acesso ao poder. Para ser feliz de verdade é preciso ultrapassar a lógica do individualismo e partilhar a própria existência com o outro, transformando o mundo num lugar mais humano e fraterno. Nisso, o “ser com os demais e para os demais” da espiritualidade inaciana é motivação e guia.

O Ano Inaciano que está em curso nos motiva a desenvolvermos um novo entusiasmo na missão. Traz à tona a oportunidade de fomentar vivências que fortalecem o hábito do discernimento e, à luz da fé cristã, colaboram com a revigoramento da caminhada escolar. Frente aos desafios institucionais e às dúvidas existenciais, a espiritualidade inaciana que carregamos pode ser um poderoso farol que clareia as nossas escolhas. Portanto, se queremos contribuir com a renovação da disposição interior e apostólica, convém oferecer sempre mais esse tesouro espiritual, para que siga formando vidas mais repletas de sentido e sintonizadas ao plano de Deus.

Autor: Marcelo Sabino

Coordenador da Formação Cristã do Colégio dos Jesuítas de Juiz de Fora/MG. Responsável por acompanhar a dimensão socioemocional e espiritual-religiosa dos estudantes e de toda a comunidade educativa. Possui Mestrado Profissional em Gestão Educacional, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); e Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

 

Referências:
GUERREIRO, L. Educar para a condição humana. São Paulo: Ed. Diálogos do Ser, 2009.
MIRANDA, M. F. Espiritualidade inaciana e sociedade secularizada. In: BINGEMER, M. C. L. (Org.). As “letras” e o espírito. São Paulo: Ed. Loyola, 1993.
RAMPAZZO, L. Antropologia: religiões e valores cristãos. São Paulo: Paulus, 2004.
VAZ, H. C. L. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Ed. Loyola, 1991.

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