O NOVO ENSINO MÉDIO E A FORMAÇÃO INTEGRAL DAS ESCOLAS DA REDE JESUÍTA DO BRASIL

(…) é importante promover a aprendizagem de modo que capacite o estudante a perceber o valor do aprendizado ao longo da vida e possibilite o desenvolvimento dos talentos individuais e coletivos. Garantir a aprendizagem integral exige da escola, hoje, a compreensão de que o contexto mudou, os estudantes aprendem de formas e em tempos distintos, em espaços que não se limitam ao escolar, exigem respostas individualizadas, diversos modos de fazer e de mediar a construção do saber, oportunizando vivências que atendam a diferentes necessidades (Projeto Educativo Comum da Rede Jesuíta de Educação Básica – 2021-2025. N. 41)

O presente texto analisa a proposta legal que estrutura o Novo Ensino Médio que está sendo implementado no Brasil (2022 a 2024), bem como o significado da formação integral dos jovens que se inserem nesta fase da educação básica. Neste caminho, com base nos documentos acerca da Pedagogia Inaciana, será analisada a concepção da formação e da aprendizagem integral que baliza a proposta pedagógica dos Colégios da Companhia de Jesus.

A lei 13.415/2017 alterou significativamente dispositivos da LDB em relação ao Ensino Médio, a chamada Lei de Conversão da Medida Provisória nº 746/2016. Essa Lei incorpora legalmente os dispositivos referentes à Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio e prevê uma flexibilização da oferta dos cursos de Ensino Médio com arranjos curriculares que contemplem diferentes itinerários formativos de acordo com as necessidades das instituições e redes escolares, conforme a relevância para o contexto local. Objetiva constituir um todo orgânico com a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC) e com suas Diretrizes Curriculares (DCNEM) na perspectiva da educação integral do estudante.

A organização do Novo Ensino Médio prevê um total de 3000 horas distribuídas da seguinte forma: a Formação Geral Básica é composta por, no máximo, 1800 horas e os Itinerários Formativos são compostos por 1200 horas, no mínimo, ficando a critério de cada instituição de ensino o arranjo desta carga horária entre as três séries do Ensino Médio.

Na formação geral básica, o currículo e a proposta pedagógica buscam garantir os direitos de aprendizagem dos estudantes por meio da relação entre teoria e prática na articulação dos componentes dentro de uma área do conhecimento e entre as áreas do conhecimento, a saber: I. linguagens e suas tecnologias; II. matemática e suas tecnologias; III. ciências da natureza e suas tecnologias; IV. ciências humanas e sociais aplicadas. O arranjo curricular por áreas do conhecimento respeita, simultaneamente, a especificidade de cada ciência, mas também a relação interdisciplinar destes conhecimentos. Em outras palavras, “a organização por áreas do conhecimento implica o fortalecimento das relações entre os saberes e a sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores” (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018).

Estudantes da 1ª série, do CSI RJ, participando da implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, fazendo aulas das disciplinas eletivas.

De acordo com as DCNEM, os Itinerários Formativos compreendem um conjunto de unidades curriculares que os estudantes podem escolher a partir do seu interesse para aprofundar e ampliar aprendizagens em uma ou mais áreas de conhecimento, preparando-se, assim, para a continuidade dos estudos e para o mundo do trabalho. A organização dos Itinerários Formativos deve possibilitar que os estudantes aprofundem as aprendizagens das áreas do conhecimento, garantindo a apropriação de habilidades cognitivas e do uso de metodologias que proporcionem o protagonismo juvenil por meio dos seguintes eixos estruturantes: Iniciação Científica; Empreendedorismo; Processos Criativos; Mediação e Intervenção Sociocultural.

As mudanças legais propostas nos documentos oficiais visam o diálogo com as profundas transformações do contexto nacional e internacional nas diversas dimensões societárias – políticas, econômicas, tecnológicas e culturais – com os desafios da formação dos jovens que ingressam no Ensino Médio. Para acolher as necessidades e as expectativas destes jovens quanto à sua formação, “a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção do seu projeto de vida” (BNCCEM, 2018).

Estudantes do Colégio Medianeira participando de conversa sobre morar no exterior e cidadania global

No contexto da Pedagogia Inaciana, a concepção de educação integral busca a formação integral do ser humano em todas suas dimensões: cognitiva, corporal, afetiva, social, histórica, ética e espiritual, priorizando como tarefa central da educação a formação do ser humano em sua plenitude. Assim, a Formação Integral busca a formação geral do estudante, uma formação humana e acadêmica que contemple os conhecimentos das ciências que se integram em cada componente curricular; a relação entre cada ciência com as possíveis significações e dialogismos na e entre as áreas do conhecimento; o estudo sistemático e crítico da realidade nacional e internacional, situando a cidadania nos tempos e espaços locais e globais. Em suma, a formação integral compreende as dimensões da ética, da cultura, da ciência e do trabalho no contexto da formação dos projetos de vida dos jovens brasileiros.

A Educação Integral busca a realização da formação integral via planejamento, organização, práticas e experiências em todo o processo formativo dos educadores e dos educandos. Envolve as políticas públicas, os projetos políticos pedagógicos das escolas e as práticas experienciadas em cada contexto educacional (além de qualquer prescrição legal).

O Projeto Educativo Comum (PEC) da Rede Jesuíta de Educação do Brasil enfatiza a educação de excelência humana e acadêmica, baseada nos valores cristãos e inacianos. A formação integral nos projetos educativos dos colégios inacianos prioriza o desenvolvimento dos estudantes a partir das dimensões cognitiva, socioemocional e espiritual-religiosa. O jovem se constitui como pessoa na relação que estabelece consigo e com os demais, ou seja, a formação integral é a formação da pessoa toda e de todas as pessoas.

O ser humano é um ser de relações no e com o mundo, com raízes espaço-temporais que também se transformam. Cabe à escola esse tipo de reflexão como um processo de humanização, uma ética para a vida em uma sociedade mais igualitária e contra qualquer tipo de desumanização. Uma educação humana traz para si a experiência de vida de cada estudante e educador como possibilidade de reflexão sobre o mundo mais próximo e mais distante, não de forma pragmática (aprenda a aprender e a fazer), mas de forma crítica, entendendo a realidade a partir das histórias pessoais, da cidade, do país e do mundo. Significa também aprender a dizer a palavra situada na experiência com o mundo, ouvindo e respeitando o outro.

O sentido de ser no mundo existe pela aprendizagem do humano na sua relação entre a sociedade e a natureza. O ser no mundo compreende o ser humano individualmente, o “eu”, a identidade pessoal em conjunto com a identidade coletiva do “nós”, da vida em comunidade mergulhada em uma história, cujos significados acontecem na relação não linear entre passado, presente e futuro. A humanização é um processo integral vivenciado no interior das relações sociais, culturais, econômicas e ambientais.

A partir das determinações legais, a proposta do Ensino Médio das unidades educativas da RJE busca que nossos jovens construam seus projetos de vida a partir da dimensão individual e coletiva das suas escolhas, para tanto, os estudos e reflexões que os estudantes realizam ao longo deste período compreendem o aprendizado/capacidade de gerir a própria vida; de refletir sobre seus desejos e objetivos; de compreender o mundo de trabalho e seus impactos na sociedade, bem como das novas tendências e profissões (exames externos e transição para a universidade). O Ensino Médio compreende também a perspectiva vocacional que possibilita que o estudante estude sobre as profissões contemporâneas, reflita sobre as suas opções e caminhos profissionais. Essa proposta se efetiva a partir de um currículo cujo conhecimento esteja situado no estudo do mundo contemporâneo e nos interesses dos estudantes. Daí a importância de que a Formação Geral esteja integrada à proposta dos Itinerários Formativos de maneira que o estudo teórico-prático dos componentes e áreas do conhecimento construa focos de pesquisa interdisciplinar de relevância acadêmica e social, com temas voltados à cidadania global/local. Os Colégios Jesuítas estão comprometidos com a educação voltada para a Cidadania Global como parte integrante ao currículo, pois:

“Isto acontece quando professores e estudantes incorporam exemplos globais e culturais ao longo de seus estudos; quando são ensinadas habilidades comunicativas que sejam inclusivas, efetivas e globalmente conscientes; quando todas as disciplinas são abordadas a partir do reconhecimento da globalização e do seu impacto na aprendizagem no século XXI; e quando as experiências globais e multiculturais são priorizadas nas realizações dos estudantes (…)”. (Colégios Jesuítas: uma tradição viva no século XXI – 2019.)

Neste caminho, alguns exemplos de temas de pesquisa podem ser citados como: o estudo da tecnologia, ambiente e sustentabilidade (energias limpas e viáveis ao sistema produtivo; economia solidária; relação entre ciência a consciência planetária); universos discursivos no mundo contemporâneo e as diferentes formas de comunicação em rede; comunicação e representação nos diferentes contextos políticos e sociais; o mundo do trabalho num contexto de constante mutação econômica, social e tecnológica; das mudanças físicas, sociais e econômicas dos territórios e fronteiras, dentre outras possibilidades de investigação.

A formação integral é um processo que envolve as experiências pessoais e coletivas contextualizada pelas “ideias, reflexões, pesquisas, ciências, artes (pensamentos), afetos, vontades, paixões, sentimentos (emoções), bem como atividades, práticas, ações econômicas, políticas, cognitivas (realizações) no interior de determinadas relações sociais e de relações com o meio ambiente e cultural.” (MANFREDI, 2018). Essa aprendizagem, também integral, ocorre pela imersão do ser humano na história e na sociedade e a escola é um desses espaços sociais.

Cabe ao Ensino Médio ajudar os jovens a compreenderem os desafios do século XXI de forma crítica e aprofundada sobre as novas formas de socialização, de trabalho, de produção do conhecimento, de interação e de exploração. Essa criticidade situa o estudante no mundo vivido, na sua história, mas também pode ajudá-lo a projetar e acreditar que um outro mundo é possível – com mais justiça social a ambiental.

Autora: Claudia Furtado de Miranda

Especialista em Currículo e Prática Educativa; Mestre e Doutora em Educação na área de Formação de professores do Ensino Fundamental e Ensino Médio; Professora de História; Orientadora Pedagógica do Ensino Médio do Colégio N. S. Medianeira – RJE/Curitiba

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Disponível em: <https://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase>. Acesso em: 10 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm>. Acesso em: 10 fev. 2021.

BRASIL. Portaria nº 1.432, de 28 de dezembro de 2018. Referenciais Curriculares para a elaboração de Itinerários Formativos. D.O.U., 05 abr. 2019, ed. 66, seção 1, p. 94. Disponível em: < https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/70268199>. Acesso em 10 fev. 2021.

BRASIL. Guia de Implementação do Novo Ensino Médio. Disponível em: <https://novoensinomedio.mec.gov.br/#!/guia>. Acesso em: 10 fev. 2021.

BRASIL. MEC. CNE. CEB. Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Disponível em: <https://novoensinomedio.mec.gov.br/resources/downloads/pdf/dcnem.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2021

ICAJE – Comissão do Apostolado da Educação Inaciana. Roma, Itália, setembro de 2019, primeira edição. Trad. Pedro Risaffi. Rev. Pe. Luiz Fernando Klein, S.J., Pe. Sérgio Mariucci, SJ. Colégios Jesuítas: uma Tradição Viva no Século XXI. Um exercício contínuo de discernimento. 2019.

MANFREDI, Silvia Maria. Trabalhador/formação profissional. In: Dicionário Paulo Freire. Streck, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI; Jaime José (orgs). 4.ed. ver.amp. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.

RJE. Projeto educativo comum da Rede Jesuíta de Educação Básica: 2021-2025. — 1. ed. — São Paulo: Rede Jesuíta de Educação, 2021. ISBN: 978-65-5504-107-1

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