Bullying: um constante desafio ao ambiente seguro e sadio

Os Colégios Jesuítas estão comprometidos em criar um ambiente seguro e sadio para todos.

Produção do 3º Concurso de Redação e Artes (2016) Juntos somos fortes – Sofia Pacheco Cabral – Colégio Catarinense

Embora o termo bullying seja relativamente recente, adotado em alguns países nas décadas de 80/90, em meio às pesquisas sobre este fenômeno social nas escolas, o comportamento por ele designado certamente habita a lembrança de todos em sua trajetória no universo escolar.

E, se formos mais a fundo no resgate de nossas memórias, dando a mão à criança interior sobrevivente, é possível que nos encontremos em pelo menos dois dos três lugares dos atores que configuram a situação de bullying, geralmente designados como vítima (ou alvo) , agressor (ou praticante) testemunha (ou espectador).

Trazer, entretanto, nossas experiências com o bullying para a realidade presente, nem sempre ajuda a lidar com ela pois, até bem recentemente, o assunto era tratado como parte do processo de crescer e “adolescer”, sendo frequentemente naturalizado como desafio a ser vencido pelos próprios envolvidos, sem interferência externa, a não ser em casos extremos. Não raramente as receitas familiares eram de revidação dos ataques sofridos, com expressões ainda presentes no imaginário popular como “não levar desaforo pra casa”, dentre outras.

Produção do 3º Concurso de Redação e Artes. “Quem cala consente. Ver, ouvir e falar…
Daniel Coutinho Aguiar Filho
Colégio Santo Inácio – CE

A mudança em direção à necessidade de prevenção e enfrentamento mais sério do problema, que é universal, teve início na década de 70, com estudos feitos por Dan Olweus, um professor universitário que se debruçou sobre o assunto, a partir da constatação de suicídios infantis na Noruega, descritos como resultantes de depressão e ansiedade causadas por conflitos escolares.

A partir de suas pesquisas pioneiras, o problema ganhou foco internacional, diversas leis foram criadas e muitos estudos têm sido feitos para subsidiar políticas públicas. Um deles, publicado em 2017, pela ONU, conforme Calhau (2019), demonstrou que em 100 mil crianças e jovens, de 18 países, aproximadamente metade tinha sofrido algum tipo de bullying por razões como aparência física, gênero, orientação sexual, etnia ou país de origem. No Brasil esse percentual é de 43%, segundo dados da ONG PLAN Internacional.

Em 2015, foi promulgada no Brasil a primeira Lei Federal de combate à intimidação sistemática (bullying), que assim define o fenômeno:

No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

(Lei Federal 13.185/15, Artigo 1º §1º)

Além da definição, a lei aponta, de modo bem didático, os tipos de bullying e as ações exigidas para o seu combate, dentre elas: campanhas de educação, conscientização e informação (Art.4º) e, como dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying). (Art. 5º)

Outras duas Leis Federais subsequentes, uma de 2016 e outra de 2018, trazem novas determinações no combate ao bullying. A Lei 13.277, de 2016, institui o dia 07 de abril como Dia Nacional de Combate ao bullying e à violência na escola. A data faz referência ao massacre do Realengo, como ficou conhecido o episódio no Rio de Janeiro, quando um ex-aluno, em 2011, invadiu a escola Tássio da Silveira, matando e deixando feridos vários estudantes. Ao aprovar a lei, demarcando essa data, o Congresso lembrou a importância de se combater o problema. Por fim, a Lei 13.663/18 altera o artigo 12 da Lei 9694/96 (LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação), incluindo a promoção da Cultura de Paz como dever de todo estabelecimento de ensino.

A promoção da Cultura de Paz é um ponto de convergência entre as leis de combate ao bullying. Na Lei 13.185/15, o inciso VII, do Art. 4º, coloca como objetivo do Programa, designado para as escolas, “promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua”.

Candau (2013) já alertava sobre a intrínseca ligação entre o bullying e a intolerância, o preconceito e a discriminação, questionando, inclusive, se tais fatores não responderiam por um dos elementos caracterizadores do bullying: a aparente não motivação para o ato. Defende a autora que uma saída possível seria o investimento em um tipo de educação “que busque a tolerância como um valor, que defenda a diferença como uma riqueza e que se baseie nos Direitos Humanos.”

Produção do 3º Concurso de Redação e Arte. “Diga não ao bullying”, Enzo Schiavoni Pradi – Colégio Medianeira

Tais pressupostos são bastante convergentes com a tradição educacional jesuíta que tem no cuidado com a pessoa um dos centros de seu carisma, caracterizado pela “cura personalis”. Atenta aos sinais dos tempos, e comprometida com a missão de reconciliação e justiça, a Companhia tem renovado e atualizado esses propósitos, na busca de trazer reflexões, proposições e diretrizes, condizentes com os novos desafios. Seus documentos mais atuais reforçam e explicitam esse esforço.

Para a Companhia de Jesus, uma instituição educativa deve ser um espaço de crescimento e de relações respeitosas e, como está expresso no documento Colégios Jesuítas: uma tradição vida no século XXI3 , “os colégios jesuítas estão comprometidos em criar um ambiente seguro e sadio para todos”.

Esse compromisso se concretiza por meio da promoção e garantia de ambientes livres de qualquer forma de abuso, isso inclui relacionamentos inapropriados e bullying determina o documento Política Interna de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, lançado pela Rede Jesuíta de Educação em 2019 e apresentado como “decorrente da exigência de uma nova política de cuidado e de solidariedade, que promova e proteja a integridade e salvaguarde os direitos de crianças e adolescentes.(p.12)

Um ponto que merece atenção dos educadores é que o combate aos preconceitos e discriminações na escola, muitas vezes motivadores de bullying, é também um ato de defesa do direito à aprendizagem. Apontando a interferência nos aspectos pedagógicos e mesmo cognitivos relacionados a essas práticas, Perrenoud (2000), afirma:

Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais na escola não é só preparar para o futuro, mas é tornar o presente tolerável e. se possível, fecundo. Nenhuma vítima de preconceitos e discriminações pode aprender com serenidade. Se, ao fazer uma pergunta ou respondê-la, atrair caçoadas, o aluno irá calar-se. Se o trabalho em grupo o expuser a segregações, ele preferirá ficar sozinho em seu canto. Se boas notas suscitarem a agressividade ou a exclusão, baseadas em categorias sexuais, confessionais ou étnicas, ele evitará sair-se muito bem. E assim por diante.

É, antes de mais nada, para pôr os alunos em condições de aprender que é preciso lutar contra as discriminações e os preconceitos. (p.145 e 146)

Ao elencar as “10 novas competências para ensinar, em sua obra homônima, o autor colocaPrevenir a violência na escola e fora dela” e “Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais” como competências constitutivas de uma educação coerente com a cidadania.

Ao renovar seus esforços para garantir a todos um ambiente livre de qualquer forma de abuso e de bullying com a criação da Política Interna de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, a Rede Jesuíta de Educação reforça seu compromisso com a educação para a cidadania e com a virtude da esperança, concretizada no agir cuidador, que, esperamos, esteja cada vez mais presente em nosso cotidiano, em tempos tão desafiadores.

O agir cuidador alimenta nas pessoas confrontadas com sua vulnerabilidade e sofrimento, uma atitude de compreensão da vida, que integra o passado e dá sentido à esperança, de modo a contribuir para criar uma expectativa positiva quanto ao futuro. (p.15)

Autora: Isabel Santana

Coordenadora do Núcleo de Educação para a Paz do Colégio Loyola -MG, da Rede Jesuíta de Educação, mestre em Linguagens pelo CEFET- MG, pós- graduada em Currículo e Prática Educativa pela PUC- Rio, coordenadora do curso de Extensão- Convivência Justa e Pacífica: Capacitação em Práticas Restaurativas – Colégio Loyola, pela UNISINOS e atual discente do curso de Pós graduação: Bullying, Violência, Preconceito e Discriminação

 

Referências:

BRASIL. LEI Nº 13.185, DE 06 DE NOVEMBRO DE 2015. Brasília, DF, novembro de 2015. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13185.htm>. Acesso em: 10 fev. 2016.

BRASIL. LEI Nº 13.277, DE 29 DE ABRIL DE 2016. Brasília, DF, abril de 2016. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13277.htm> Acesso em: 05 maio. 2016.

BRASIL. LEI Nº 13.663, DE 14 DE MAIO DE 2018. Brasília, DF, maio de 2018. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13663.htm > Acesso em: 08 agosto. 2018.

CANDAU, Vera Maria et al. Educação em Direitos Humanos e formação de professores (as). 1 Ed- São Paulo: Cortez, 2013.

CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. 5 Ed. Belo Horizonte: D’ Plácido Editora, 2019.

COLÉGIOS JESUÍTAS: Uma tradição viva no século XXI. Um exercício contínuo de discernimento. Compañía de Jesús, 2019

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed editora, 2000.

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